sábado, 22 de abril de 2017

Mal perfurante plantar em pé diabético neuropático

O mal perfurante plantar ou úlcera plantar em pé diabético neuropático está entre os grandes desafios nos serviços dedicados ao tratamento das feridas crônicas.

Vamos considerar aqui o pé diabético neuropático puro, ou seja, aquele em que não há comprometimento significativo da circulação arterial; os pulsos estão presentes e de boa qualidade, tanto o Dorsal do pé quanto o Tibial Posterior, o ITB (Índice Tornozelo/Braço) é maior do que 0,7 e a pressão sistólica do membro afetado está acima de 80 mmHg.

Os diabéticos com neuropatia avançada perdem a sensibilidade cutânea e não sentem dor quando seus pés são submetidos aos micro-traumas repetidos e constantes provocados por calçados inapropriados, pelo simples ato de caminhar ou outros mecanismos que possam provocar danos às estruturas anatômicas dessa região, especialmente à pele (isso faz parte da perda da capacidade proprioceptiva).

Por outro lado e além da perda da sensibilidade protetora, a neuropatia predispõe a alterações da arquitetura óssea do pé e de suas articulações, resultando em deformidades que alteram ainda mais os pontos de pressão e a normalidade da marcha.

Daí decorrem a formação de calosidades nos pontos de atrito e cisalhamento que, com o tempo e a persistência da "agressão" acabam resultando na formação das feridas ou ulcerações. Essas feridas são precursoras da amputação, especialmente quando se tornam infectadas.

Quando as feridas se localizam em topografia plantar a evolução para a cicatrização se torna mais complexa: o paciente, ao deambular, estará pisando sobre a ferida e perpetuando o trauma.

Daí à infecção que pode migrar para planos mais profundos - fáscias, tendões e ossos - é um passo.

O risco de agravamento com perda de tecidos e de planos ósseos se torna dramática e pode evoluir negativamente para amputação de segmentos menores ou mais extensos.

A estatística mundial dessa realidade é alarmante.

DISPOSITIVOS DE CONTATO TOTAL

Para a cicatrização dessas feridas algumas providências podem ser tomadas.

Todas visam a eliminação da pressão sobre o leito da ferida. Entre elas:

1. Repouso absoluto até a cicatrização
2. Locomoção em cadeiras de rodas com o pé protegido
3. Uso de moletas ou "andadores"que permitam não pisar com o pé comprometido

As soluções acima praticamente retiram o paciente de suas atividades laborativas e sociais,fazendo com que sua adesão ao tratamento seja mínima.

O que são os dispositivos de contato total ?

O que se procura obter com a aplicação dos dispositivos ditos de contato total é uma distribuição homogênia da carga sobre o pé afetado ao deambular - em inglês off-loading (descarga).

O que acontece ao usar esse dispositivo:
  • o peso do corpo, ao andar, é transferido significativamente para a panturrilha
  • reduz as forças de pressão e cisalhamento na face plantar do pé
  • a estabilização do ângulo do tornozelo em 90% (ao aplicar o dispositivo) reduz as fases de impacto e propulsão da marcha e a pressão sobre a ferida


Ao ficar em pé e caminhar, duas forças são aplicadas na região plantar dos pés: a pressão exercida pelo peso do seu corpo sobre o solo (setas em vermelho na imagem) e o cisalhamento horizontal decorrente do impacto e da propulsão no ato de andar ou correr (setas em azul na imagem).

Num pé em condições normais nada acontece.

Entretanto, no pé diabético neuropático onde já se instalaram algumas alterações na arquitetura óssea, promovendo pequenas ou severas deformidades (tais como no pé de Charcot), aquelas forças de pressão e cisalhamento vão provocar danos.







As deformidades neuropáticas e a perda da sensibilidade farão com que o ato de caminhar produza traumas repetidos que vão se transformar em feridas nos pontos irregulares de pressão, como
Imagem 1
mostrado nas imagens 1  e 2.

Os sistemas de contato total procuram neutralizar ou minimizar esses microtraumas repetidos, permitindo que os eventos celulares e extracelulares do processo de cicatrização possam prosseguir.

Imagem 2

Os dispositivos devem adquirir, na perna,  o formato de um funil com o seu diâmetro menor na região maleolar e se alargando na medida em que vai se moldando ao formato da panturrilha.

Por esta razão é importante que o profissional esteja treinado e familiarizado com a técnica de aplicação dos dispositivos, tanto os de fibra de vidro como os de gesso ou outro material sintético.


Imagem 3

Após a aplicação do dispositivo de contato total o peso do corpo é distribuído de forma uniforme sobre a região plantar. Além disso o formato da "bota" distribui esse peso para a panturrilha.

No desenho gráfico da imagem 3 as setas mostram de que forma o peso é transferido para a ancoragem do dispositivo na panturrilha.

Ferida mostrada na Imagem 1 cicatrizada após 5 semanas de aplicação da TCC-EZ sobre a qual pretendo brevemente apresentar algumas considerações.